Por que é preciso escutar as crianças?

Adriana Friedmann é doutora em Antropologia, mestre em Educação e pedagoga. Desde os anos 80, atua como pesquisadora em instituições de educação e cultura.

Criadora e coordenadora do Mapa da Infância Brasileira e do NEPSID (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Simbolismo, Infância e Desenvolvimento), desenvolve pesquisas com crianças, formando especialistas na escuta de crianças. Nessa entrevista exclusiva, ela explica o que é escuta de crianças, a partir da sua linha de estudo e porquê precisamos escutá-las.

Em que consiste a escuta das crianças e como esse conceito se concretiza na prática? 

Homem e criançasEscutar crianças tem a ver com o adulto se conectar com suas realidades, vivências, necessidades e interesses. Sobretudo para conhecê-las e compreender como e o que estão expressando no mundo. Escutar tem a ver com observar, tomar distância e, muito além do que elas dizem ‘verbalmente’, trata-se do adulto se conectar com as expressões não verbais: dos seus corpos, gestos, movimentos, brincares, produções artísticas, comportamentos, reações etc. Trata-se do adulto mudar sua postura: daquele que interfere, ensina, corrige, para aquele que se coloca como aprendiz, silencia, registra, não somente o que observa e escuta, mas também os insights que ele tem ao se conectar com a(s) criança(s). Na prática, tem a ver com oferecer tempos e espaços para atividades livres, coletivas ou individuais, através das quais as crianças possam escolher do que, com quem, onde e com o que irão brincar, interagir etc. Tem a ver com facilitar caminhos e ‘ferramentas’ para que as crianças se expressem: desenhando, brincando, fotografando, lendo, escrevendo, representando etc. E acolher as ideias criativas das próprias crianças.


O que é essencial na escuta das crianças e que armadilhas envolvem esse processo? 

Essencial é entender que cada criança tem um temperamento específico, uma singularidade, saberes e valores trazidos do seu núcleo familiar. Entender que as crianças já têm um conhecimento que, geralmente, nós desconhecemos. Respeito é essencial: pela privacidade das crianças, pelos seus tempos, pelos seus ‘tesouros’, segredos e emoções. As crianças estão sempre em processo e não é pelo fato de um dia, ou em determinado momento, agirem de uma certa forma, que logo depois elas não irão se mostrar ou comportar de outro jeito. Uma das mais preocupantes ‘armadilhas’ é a do adulto se pautar pelas suas próprias expectativas ou referências de ‘normalidade’. E, assim, acaba se fechando, comparando cada criança com seus próprios padrões. Escutar é abrir-se para o desconhecido, para aquilo que irá nos surpreender. Outra armadilha tem a ver com o impulso do adulto fazer mil e uma perguntas para as crianças: nem sempre o que elas respondem corresponde ao que realmente estão sentindo. As crianças, do lugar da sua ‘esperteza’  acabam muitas vezes respondendo aquilo que o adulto quer escutar. Escutar não tem a ver com perguntar. Outra armadilha é confundir o que é da criança e o que é do observador: ao nos conectarmos com o outro, acabamos espelhando nossas emoções ou vivências, tanto no que diz respeito ao que já passamos como crianças, quanto às emoções – positivas ou negativas – que possam aflorar na hora de estar com as crianças. Por isso, é importante entender que escutar crianças e conhecê-las não acontece em um único encontro. Outra armadilha é ignorar o contexto sociocultural no qual cada criança está inserida: este tem imensa influência nos seus comportamentos.

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